Refugiados. Muito tenho pensado nos últimos dias sobre eles. Muitas coisas têm acontecido que mexem com a minha cabeça e me deixam com um misto de emoções, sem saber bem o que fazer ou em que acreditar. Esta publicação, porém, não serve para falar sobre nada disso. Não vou expor aqui a minha opinião sobre a entrada dos refugiados na Europa - isso fica para outro dia. Com esta publicação pretendo apenas expressar por palavras aquilo que vi em Calais sem qualquer tipo de propaganda.
Fui para Calais com cinco amigo numa carrinha cheia de alimentos e bens essenciais que conseguimos angariar. Comida, roupa, material de campismo, produtos de higiene e até produtos de lazer tais como livros, rádios e baralhos de cartas... Tudo o que nos foi permitido levar. À nossa espera tínhamos um colega que se prontificou a receber-nos assim que soube da nossa intenção. Já estava em Calais há três meses, na data da nossa chegada, e ainda hoje lá está, sem qualquer intenção de regressar tão cedo. Devido ao facto de ele trabalhar como voluntário para uma das muitas associações que lá existem, tivemos maior facilidade em percebem como é que as coisas estão a funcionar em Calais com os refugiados e o nosso objectivo foi alcançado de forma simples, rápida e eficaz.
Logo no primeiro dia fomos para a selva - jungle, em inglês, o termo que toda a gente que lá está usa para designar o local onde os refugiados estão agrupados. Não levar bolsas cheias e/ou muito grandes, andar sempre em grupo e sair de lá antes de escurecer. Foram estas três indicações que nos foram dadas à chegada por um refugiado que dava a entender ser um representante do seu grupo. Enquanto nos levava a conhecer a sua família e o resto do acampamento contou-nos que, até então, nunca tinham havido incidentes entre refugiados e voluntários mas o mais seguro era seguir essas três regras de forma a evitar que essa situação fosse alterada. Todas as pessoas foram atenciosas connosco. Alguns falavam um pouco de inglês, outros não falavam mais nenhuma língua sem ser árabe mas, ainda assim, estavam sempre a agradecer-nos e a oferecer-nos de tudo um pouco. Faziam um esforço enorme para comunicar connosco e a hospitalidade não diminuiu quando deixamos de ter coisas connosco para oferecer.
O que mais me chocou foi a miséria em que eles vivem. Estava preparada para o pior mas o que vi foi ainda mais ruim do que aquilo que esperava. Condições sanitárias? Inexistentes. Não havia condições de saúde nem de higiene. As pessoas em Calais vivem como animais e não é por acaso que lhe chamam selva. Os refugiados vivem em tendas, alguns em cabanas improvisadas, mas muitos são os que dormem ao relento. Uns ainda têm sacos cama, outros não. No entanto, quem lá está prefere vivem assim e em paz do que viver nos seus países. Isso foi uma das coisas que mais me tocou.
De tudo o que levamos, pouco foi o que distribuímos diretamente aos refugiados. Alguma comida, doces pelas crianças e sacos-cama por quem sabíamos que estava a dormir ao relento, o restante foi entregue à associação que nos recebeu, não por ser a opção mais fácil mas sim por ser mais justo. As associações ainda funcionam de forma um pouco desorganizada, tal é a quantidade de donativos que recebem diariamente, mas distribuem as coisas de forma justa e de maneira a chegar a toda a gente. Os processos de distribuição de bens pelos refugiados funcionam por tickets que são distribuídos mensalmente ou semanalmente - dependendo dos tipos de bens a ser distribuídos. No entanto, como não há bens que cheguem para todos, as associações fazem um esforço para ir alterando e não estar sempre a dar tickets às mesmas pessoas - numa semana recebem uns, noutras recebem outros. Porém, quando as pessoas decidem entregar diretamente os bens aos refugiados, sem passar pelas associações, o processo de destruição pode ficar desequilibrado. Algumas pessoas podem receber determinado bem duas ou mais vezes enquanto que outras não recebem nada. Quando nos explicaram esta situação, a nossa decisão de dar quase tudo para a instituição foi imediata. Não nos arrependemos, principalmente pelo facto de eles nos deixarem fazer parte de todo o processo de distribuição.
Depois de algumas conversas com refugiados, percebi aquilo que todos eles têm em comum: o desejo de ter uma vida normal. Nada mais. Um lar, um trabalho e paz. A felicidade está-lhes estampada no rosto quando recebem um par de sapatos ou um saco de cama para dormirem quentes durante a noite e, apesar de viverem de forma miserável e em condições desumanas, estão melhores aqui do que estavam no país deles. Enquanto esperam que a União Europeia decida o que fazer com eles, vão vivendo o dia a dia da forma mais normal que lhes é possível. Improvisam e constroem casa, igrejas e mesquitas. Alguns vão mais além e criam os seus próprios negócios - há restaurantes, cabeleireiros, e stands de doces para as crianças. Até instituições comunitárias eles construíram! Têm escolas e representantes. É de ressaltar o facto de tudo ter sido construído com o pouco que lhes deram - bocados de madeira e plástico. Vivem em comunidade, não estão separados por religião, e organizaram-se a eles próprios. Com nada, construíram tudo. É este o tipo de pessoas que tanta gente diz não ter nada a oferecer à nossa sociedade?